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O verdadeiro antídoto para a pobreza

A produção de riqueza, não a impressão de dinheiro, é o verdadeiro antídoto para a pobreza

O papel-moeda, popularmente chamado de “dinheiro”, nada mais é do que um meio de troca para transações entre agentes econômicos (pessoas, empresas e governos). As atividades econômicas fundamentais, como produção, troca de mercadorias e serviços, a livre associação entre indivíduos e organizações, sempre fizeram parte da nossa história, mesmo antes da existência do dinheiro. O valor intrínseco primordial do dinheiro para a atividade econômica é sua ampla utilização como meio de troca. É desta característica que surgem as demais funcionalidades essenciais da moeda: reserva de valor, unidade de conta (de valor) e padrão para pagamentos diferidos (pagamentos futuros). 

Mesmo antes das primeiras civilizações, sempre houve atividade econômica, riqueza e desigualdade econômica. Antes do advento do papel-moeda, as transações de bens e serviços produzidos se davam por meio de permutas (trocar um punhado de hortaliças por uma galinha, por exemplo). Hoje, ao invés de carregar vegetais e animais para concluir uma transação comercial, pode-se trocar sua produção por dinheiro e, em seguida, trocar o dinheiro pelos bens e serviços que se deseja consumir. A riqueza de pessoas mais abastadas era medida em quantidades de ativos reais acumulados, como o tamanho do rebanho detido, extensão da propriedade de terras, vestimentas, entre outros. Contudo, sem uma unidade de conta é difícil saber se o dono de 200 hectares de terra é mais ou menos rico do que o dono de um rebanho de duas mil cabras. O dinheiro permite que as duas riquezas (terras e cabra) sejam medidas em uma mesma unidade: os dois personagens possuem um patrimônio de cerca de 7 milhões de Reais, por exemplo (unidade de conta). Com isso, também, é possível acumular e preservar a riqueza produzida ao longo do tempo na forma de dinheiro (reserva de valor) e até realizar transações que envolvem um fluxo de pagamentos futuros.

A riqueza de um indivíduo (ou de um povo) não é o dinheiro em si, mas os serviços e produtos produzidos. O que mudou ao longo do tempo é que o valor das riquezas criadas era medido em ativos reais, como terras e cabeças de cabra, depois passou a ser medido em quilos de ouro, posteriormente em unidades monetárias (dinheiro). Mas é um erro confundir o número do dinheiro como a riqueza em si. O principal valor intrínseco da moeda para uma pessoa é que ela pode ser trocada por produtos e serviços que são verdadeiramente úteis e desejados por ela. E se o valor da moeda advém de sua capacidade de ser trocada por outras coisas, então o valor está nas coisas e não na moeda. Isto pode ser mais claramente compreendido se olharmos para as crises monetárias mais severas da história.

A hiperinflação é a doença crônica das moedas. É um efeito tão nocivo que provoca a perda das características fundamentais da moeda – parcial ou totalmente, nos casos mais graves. Talvez o mais famoso destes casos seja a hiperinflação alemã, que ocorreu entre 1920 e 1923 na República de Weimar. O Reichsbank (banco central alemão, à época) aumentou a quantidade de notas em circulação na tentativa de manter o funcionamento da economia alemã, devastada tanto pelo conflito quanto pelas indenizações impostas pelos países vencedores da Primeira Guerra Mundial. A medida desencadeou um poderoso processo inflacionário que culminaria no episódio mais impressionante do seu tipo em toda a história. No auge da crise, um pão chegou a custar 428 milhões de marcos. Salários eram pagos em quilos de notas, que formavam pilhas tão grandes que precisavam ser transportadas por carros de mão. Sem eficácia como meio de troca ou reserva de valor, as notas passaram a ser utilizadas para outras finalidades, de matéria-prima para a confecção de pipas para a diversão de crianças, a combustível para cozinhar e aquecer a casa.

Frequentemente argumenta-se que o conjunto de medidas adotadas pelo Reichsbank não foi o único fator determinante para a situação dramática da República de Weimar. A devastação causada pela guerra e a perda de territórios que eram importantes fornecedores de matéria-prima para as indústrias alemãs, também foram cruciais para o agravamento da crise econômica e monetária. Esse ponto de vista, além de econômico e historicamente correto, contribui para a compreensão do fenômeno inflacionário e sua relação com o valor da moeda. Após o fim da Primeira Guerra, a economia alemã estava devastada. Com isso, a capacidade de se criar, fabricar, produzir e distribuir bens e serviços foi drasticamente reduzida. O governo alemão buscou solucionar a situação aumentando a disponibilidade de papel-moeda, visando estimular a economia através do consumo. Mas o problema não era falta de papel estatal para trocar por bens e serviços a serem consumidos, mas a falta da produção e da disponibilidade destes bens e serviços (riqueza). O aumento da disponibilidade de moeda nestas circunstâncias foi como jogar gasolina no fogo, desencadeando um processo inflacionário extremamente agressivo e duradouro, que culminou em uma verdadeira calamidade socioeconômica.

A República de Weimar é certamente o mais famoso caso de hiperinflação da história, mas não é preciso ir tão longe para constatar os efeitos devastadores deste fenômeno. Os anos de hiperinflação no Brasil nos revelam indícios do quanto estivemos próximos desta situação. Algumas características marcantes da economia brasileira durante o Plano Cruzado (1986) até o início dos anos 90, é o fato de as moedas desta época não serem utilizadas como meio de troca e unidade de conta para transações de valor mais elevado. Carros e imóveis, por exemplo, eram frequentemente negociados em dólares, um sinal de que a moeda brasileira havia perdido tanto valor, que não era aceita pelas pessoas como meio de troca ou reserva de valor. Carros e imóveis possuem valor intrínseco para as pessoas e, em uma economia saudável, este valor pode ser trocado pela moeda corrente em qualquer transação. Num cenário de hiperinflação, entretanto, a riqueza do bem ou serviço trocado por dinheiro é rapidamente deteriorada, fazendo com que as pessoas se recusem a trocar riqueza (trabalho, bens e serviços) por pedaços de papel colorido (a mais fidedigna descrição do papel-moeda quando perde suas características fundamentais).

Vale salientar que a expressão “alta dos preços de produtos” pressupõe uma análise comparativa entre duas coisas distintas: o valor do produto e o valor da moeda. Esta visão é mais óbvia quando falamos dos preços de duas moedas diferentes (Taxa de Câmbio). Quando dizemos que “o Dólar subiu”, a mensagem é clara: o preço da moeda americana ficou maior comparado à moeda brasileira. É preciso desembolsar uma quantidade maior de Real para adquirir uma unidade de Dólar. Também costuma ser mais fácil compreender este mesmo efeito sob outra perspectiva mais útil para a compreensão da inflação: as afirmações “o Dólar se valorizou frente ao Real”, e “o Real se desvalorizou com relação ao Dólar”, implicam o mesmo resultado (variação do preço de uma moeda com relação à outra). Contudo, é provável que uma das duas afirmativas forneça uma perspectiva mais adequada sobre o fenômeno que de fato ocorreu. Aumento ou redução de preços implica, necessariamente, uma variação relativa a algo. O fenômeno inflacionário nada mais é do que a variação negativa do preço da moeda, relativamente ao preço dos ativos reais da economia. Esta é a verdade amplamente ignorada sobre o fenômeno inflacionário: não são os produtos e serviços que estão aumentando de preço, mas a moeda que está perdendo valor frente aos produtos e serviços. 

O que isso tem a ver com a filosofia liberal? Tudo. A confusão entre riqueza e dinheiro alimenta uma falsa crença de que a pobreza pode ser solucionada através de programas de redistribuição de dinheiro, ou programas governamentais que expropriam o dinheiro de empresários e trabalhadores, que o recebem porque produzem, para redistribuir para aqueles que nada produzem, por meio de programas sociais. Mas a verdade é que para se distribuir (e até mesmo para roubar), a riqueza precisa antes ser produzida. Logo, é o trabalho, a inventividade humana e o capital alocados na produção de bens e serviços, tidos como úteis e valiosos aos olhos da sociedade, que configuram a criação de riqueza, e isso jamais poderá ser substituído por pedaços de papel colorido ou bits e bytes que representam unidades monetárias.

O que gera pobreza? Nada. A ausência de riqueza é a condição natural humana. Fome, miséria, ausência de cuidados básicos de saúde e moradia precária foram a realidade de toda a espécie humana ao longo da maior parte da nossa história. Toda a abundância que temos hoje, como supermercados repletos de alimentos e produtos diversos, hospitais, remédios e clínicas de saúde, livros e instituições de ensino, casas e apartamentos, precisaram antes ser concebidos na mente humana e posteriormente produzidos através de longas e complexas cadeias de valor, envolvendo a colaboração de milhares de pessoas e organizações, muitas vezes espalhados ao redor da Terra. Era verdade nos tempos das cavernas e segue sendo verdade hoje: a riqueza precisa ser produzida. A tentativa de “imprimir dinheiro para gerar riqueza” é uma ilusão, assim como a ideia de se distribuir riqueza às custas daqueles que a produzem, criando dificuldades e barreiras à inovação, ao empreendedorismo e à produção de riqueza. Tais medidas resultarão inevitavelmente no empobrecimento da nação.