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Em busca da concorrência no transporte

Enquanto a tecnologia avança, trazendo inúmeros benefícios à sociedade, a legislação no fretamento não pode seguir travando o futuro que queremos construir

Desde que a Covid-19 começou a ser controlada no Brasil, entramos num período de retomada das atividades econômicas, e as viagens, duramente afetadas pela pandemia, puderam enfim voltar. E superada a fase mais difícil da pandemia, precisamos agora falar da modernização da legislação de alguns setores do mercado de viagens, em especial o fretamento. A discussão não é nova, mas o tema voltou a esquentar porque se faz urgente. Foi na retomada que o setor de fretamento sentiu a necessidade de acelerar a flexibilização das leis para continuar trabalhando. É uma questão de sobrevivência.

A raiz está na questão da concorrência. Ou na falta dela. Para que o País ingresse, de verdade, numa nova fase de crescimento econômico sustentável, é urgente que se fale, sem tabu, sobre a abertura do mercado. É a concorrência que traz um serviço melhor e mais acessível para a população, inclusive quando falamos de viagens. E quando tratamos de viagens terrestres, um setor mais tradicional, a inovação tecnológica costuma pautar o tema. É o caso dos aplicativos que revolucionaram a forma como a população se desloca dentro das cidades e fizeram pressão para tornar o transporte individual acessível e verdadeiramente democrático. Hoje Uber, 99 e Táxis tradicionais convivem e o cidadão pode escolher entre os diferentes serviços.

Esse avanço tecnológico também chegou ao mercado de viagens rodoviárias e se faz especialmente atraente no momento inflacionário que hoje vivemos, sendo necessário inovar e se reinventar. No caso das viagens de ônibus a inovação se deve à chegada de novas plataformas que aqueceram o mercado. As empresas de fretamento, que antes dependiam quase que exclusivamente de agentes de viagens para chegar no usuário final, agradecem. A população, que hoje usa o celular para reservar um assento em ônibus seguro e confortável, pagando menos da metade do valor cobrado por uma passagem nas rodoviárias, também.

Apesar de se mostrar um modelo bem aceito tanto pelos usuários quanto pelas empresas de fretamento, a nova modalidade ainda não consegue prosperar em todo seu potencial. Muitos pontos da legislação atual tentam impedir a concorrência e são criticados há décadas pelo setor de turismo e fretamento. Agora, com a chegada de players maiores que querem conquistar seu espaço no mercado rodoviário, o debate se intensificou e gira em torno de uma anomalia regulatória chamada “Circuito Fechado”.

O “Circuito Fechado” obriga a empresa de fretamento a transportar o mesmo grupo de passageiros na ida e na volta de uma viagem, com o mesmo motorista e o mesmo ônibus, sem flexibilidade de alteração do itinerário, datas e até hora. Se um grupo de turistas de Curitiba for a Santos embarcar em um Cruzeiro marítimo, o ônibus que a agência fretou só pode ser usado novamente quando os passageiros voltarem do cruzeiro. Ônibus e motorista, nesse caso, ficam impedidos de trabalhar por dias, às vezes semanas, fazendo dessa regra um dos melhores exemplos do famoso custo Brasil. A parcela do financiamento do ônibus, que chega a R$ 30 mil, e o custo dos motoristas, são repassados então a poucos clientes, pois a regra impede que a empresa faça mais viagens.

Como uma regra patentemente absurda se mantém inalterada por mais de 20 anos? A quem isso interessa? Certamente, não à população, em especial a mais carente, que vê o alto custo do transporte como impeditivo para viajar e visitar amigos e familiares. Também não interessa às mais de 15 mil empresas de fretamento no Brasil, nem às centenas de milhares de agências de turismo. Essa regra só interessa às mesmas poucas e grandes empresas que controlam o setor de transporte rodoviário há décadas.

Friedrich Hayek, economista cujas ideias foram base da recuperação econômica da Inglaterra nos anos 70, afirma que o pior cenário econômico possível é quando um pequeno grupo de empresários consegue convencer legisladores intervencionistas que seu serviço é essencial. Isso leva à criação de um monopólio garantido pelo Estado a esses empresários, que não precisam fazer nada para que todos os clientes os escolham, afinal, eles são a única opção e o Estado prende quem se atrever a concorrer. E não, não é uma hipérbole, o Estado Brasileiro literalmente prende ônibus e motoristas, bem como cassa licença e fecha empresas que não seguirem a regra do Circuito Fechado

Mas a modernização do marco regulatório do transporte rodoviário de passageiros é inevitável e um desejo da imensa maioria dos brasileiros que querem viajar de ônibus pagando menos. Uma recente pesquisa da Quaest, que ouviu 2.060 pessoas em todo o País, apontou que 88% da população quer que as leis sejam alteradas para que mais empresas ingressem no mercado e passem a disputar a preferência dos viajantes. A concorrência, essa disputa pelo viajante, é o que traz produtos acessíveis à população. Isso é tão verdade que uma plataforma de pesquisa de preços, a CheckMyBus, revelou que houve uma redução de 61% no valor médio dos bilhetes nos últimos dois anos nos principais trechos rodoviários do país. Isso ocorreu graças ao avanço da concorrência que os aplicativos de transporte trouxeram ao setor rodoviário.

Se o Brasil conseguir se livrar desse bizarro dispositivo regulatório, a disputa entre empresas vai aquece o mercado. Um estudo da LCA Consultores estima redução em mais de 15% do nível geral de ociosidade dos ônibus. Com uso mais racional e otimizado de sua ferramenta de trabalho, o ônibus, as empresas de fretamento conseguem reduzir o preço cobrado. Para o brasileiro, isso significa pagar menos para viajar, sobrando mais dinheiro para gastos adicionais em alimentação, hospedagem, cultura e lazer. Esse mesmo estudo estima um aumento de R$ 2,7 bilhões no Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro ano. A mudança na legislação também seria capaz de gerar mais 63,5 mil novos empregos, e ampliar a arrecadação de tributos para os cofres públicos em mais de R$ 460 milhões.

Por tudo isso, modernizar a regulamentação no setor de transporte rodoviário de passageiros se faz urgente. A legislação não pode seguir travando o futuro que queremos construir, ainda mais em um mercado promissor como o de viagens, pilar do turismo. Com as mudanças no comportamento do consumidor e, sobretudo, frente aos avanços de modernização do setor de transporte rodoviário, só a abertura trará a concorrência necessária para que se promova a expansão da demanda por viagens de ônibus e se fomente o turismo em âmbito local e regional. Abaixo o circuito fechado!

Por Kleberson Amaral.